
Foto: Agência Brasília
Autor: Rodrigo Rollemberg, governador de Brasília
O lago Paranoá integra, desde os primórdios, a saga da construção de Brasília e simboliza, atualmente, uma nova era na capital do país, mais democrática, mais cidadã.
Ainda no século 19, nas prospecções de área para a interiorização da capital, o botânico e paisagista Auguste Glaziou (1828-1906), membro da missão Cruls, vislumbrou a possibilidade de represar a “garganta” de um rio próximo para a formação de um lago.
Seis décadas mais tarde, um dos elementos essenciais exigidos dos concorrentes do concurso público internacional para a escolha do traçado do Plano Piloto era justamente o lago, em companhia do Palácio da Alvorada, do Brasília Palace Hotel e do aeroporto.
A insistência do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) na criação do lago artificial foi alvo de sistemáticas críticas, entre elas as do engenheiro e escritor Gustavo Corção (1896-1978), que apostava no fracasso do projeto por conta do solo “poroso” na região.
Quando a água atingiu a cota altimétrica de 1.000,8 metros, JK enviou ao desafeto um telegrama lacônico: “Encheu, viu?”.
Por anos, a cidade virou as costas ao lago, repleto de algas por despejo de esgoto sem tratamento. Com a despoluição, a população começou a buscar as “quebradas”, locais em boas condições de balneabilidade, no início dos anos 2000.
Entretanto ainda persistia outra barreira: áreas públicas praticamente privatizadas com cercas até a orla. Isso mudou dois anos atrás, com o início da desobstrução da faixa de 30 metros da margem, consagrada à preservação permanente.
Outros governos protelaram cumprir decisão judicial de liberar o acesso, mesmo depois de transitada em julgado a ação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, em 2011. Na nossa vez, adotamos integralmente a determinação, por convicção na medida.
O lago ê a praia desta capital, e praia não pode ser restrita a alguns; deve ser de todos. Não seria justo com os 3 milhões de habitantes de Brasília, tampouco com a população brasileira, manter para poucos essa maravilha no centro do Brasil. Até o Natal, devolveremos toda a orla do Lago Norte e Lago Sul à população, uma área de mais de 1,6 milhão de m 2 . Oito entre dez brasilienses aprovaram a desobstrução.
Logo a população verá a dimensão da devolução desse patrimônio, com a conexão dos parques Península e Asa Delta e o Pontão do Lago Sul por ciclovia e pista de caminhada, tudo iluminado e arborizado.
A devolução da orla à população se desenvolve em clima de participação social e total transparência. Três reuniões públicas, encontros com a comunidade e consulta pública online garantiram voz a interessados em manifestar opinião sobre formas de usufruir o lago.
Nesta sexta (15), damos mais um passo na democratização do lago Paranoá, com o lançamento do concurso que definirá o projeto para a orla, o Masterpan da Orla Livre. Recorremos ao mesmo instrumento de 60 anos atrás, consagrador do projeto do urbanista Lúcio Costa (1902-1998) para o Plano Piloto.
Concurso público ê a forma mais democrática de contratação. A seleção para o Orla Livre, sem dúvida, atrairá arquitetos e urbanistas do Brasil e do mundo.
Sonhamos com intervenções urbanísticas transformadoras que, sem romper com a escala bucólica de Brasília, ampliem as possibilidades de interação com a orla.
Sonhamos que tais revitalizações façam florescer uma Brasília mais cidadã, com direito a usufruto de área tão nobre e ciente da responsabilidade de cuidar da fonte de produção de energia e de captação de água para reforçar o abastecimento da cidade.
Há 30 anos declarada patrimônio cultural da humanidade, Brasília merece esse salto civilizatório!
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Lançado hoje, o concurso que definirá o projeto para remodelar a orla do lago Paranoá mudará a interação com esse bem da cidade
* Artigo originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo em 15/12/2017