Passar da revolta para a construção de um conteúdo verdadeiramente transformador da sociedade brasileira. Este o maior desafio que foi lançado pelas manifestações populares que levaram milhões de brasileiros às ruas no mês de junho, na avaliação dos dois convidados do debate “A Revolta de Junho, Razões e Perspectivas”, que a Fundação João Mangabeira (FJM) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) realizaram na noite desta segunda-feira (12) em Brasília. Tanto o italiano Paolo Gerbaudo, sociólogo, jornalista e professor da Universidade King’s College, de Londres, quanto o brasileiro César Benjamin, também jornalista e cientista político, foram unânimes sobre a importância de se estabelecer uma diretriz positiva para a continuidade dessa mobilização, ao preverem que a situação estrutural do país, que a gerou, só tende a piorar – e já nos próximos meses.
O debate, promovido pela FJM e o PSB com o objetivo de dar continuidade às avaliações sobre o significado, a importância e a dimensão das manifestações de junho, reuniu na sede da Fundação, em Brasília, lideranças, militantes e convidados do partido, que mais uma vez lotaram o auditório. Entre eles os senadores Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), líder socialista no Senado, e Lídice da Mata (PSB-BA), o presidente do PSB no Distrito Federal, Marcos Dantas, e o Secretário Executivo do Ministério da Integração Nacional, Alexandre Navarro, além da Secretária Especial da Executiva Nacional do PSB, Mari Trindade Machado.
“O interesse de todos nós nesse debate começa por tentar entender como as organizações políticas, especialmente os partidos, estiveram não só ausentes como não eram bem vindas nessas manifestações”, lembrou o presidente da Fundação João Mangabeira e primeiro Secretário do PSB, Carlos Siqueira. “É certo que, depois do primeiro impacto, tanto os partidos quanto organizações ligadas a eles – sindicatos e segmentos sociais variados – tentaram participar de tamanha mobilização e também organizaram as suas manifestações de rua. Porém, reunindo um público muito distante do atraído espontaneamente para as ruas em junho”. Acima disso, ressaltou, os socialistas esperam que essa população continue desperta e possa seguir protestando livremente por seus direitos.
Energia poderosa –César Benjamin falou justamente nesse sentido: para ele, é fundamental que não se perca a grande e poderosa energia gerada espontaneamente pelos cidadãos nas manifestações. “A saída do país neste momento está em repensar seus objetivos e, somente a partir daí, redefinir o nosso caminho como Nação; só dá para criar novas regras quando soubermos para onde queremos ir”, defendeu. “O povo mostrou que existe espaço para a política, mas para outra política – a do pensar grande. Somente essa é que conseguirá mobilizar aquela multidão que foi às ruas”.
Para ele, a situação do país é delicada porque o Brasil demorou muito tempo para construir uma teoria sobre si próprio, formular com clareza uma identidade, mas, nos últimos 20, 30 anos, período em que mudou muito, não refez esse debate – tarefa que ficou restrita à esquerda. “Agora estamos num voo cego, pois o PT, que assumiu em 2003 como depositário da memória desse debate, ao chegar ao poder ficou igual a todos os que combateu antes, ou seja, acabou a esperança de mudança”, avaliou. “Ao invés de se tornar o governo transformador que prometeu e sinalizou, o PT disseminou a política de alianças do tipo ‘toma-lá-dá-cá’, cujo principal ingrediente é a corrupção. E, ao mesmo tempo, disseminou um bem estar extremamente despolitizado ao promover um ciclo de consumo baseado no individual, não no interesse público”.
Segundo César Benjamin, a revolta do povo nas ruas é resultado de 10 anos de um governo desmobilizador. A população, aponta, começou a perceber que apenas o acesso ao consumo individual não lhe trouxe tantos benefícios assim, que falta muito ainda para uma real cidadania e as manifestações de junho marcaram o ponto de virada dessa conjuntura, com reflexos diretos nas eleições de 2014. “Não é uma mudança superficial, não voltaremos mais aos patamares dos anos anteriores, a situação é difícil tanto econômica quanto politicamente e eu espero sinceramente que o PSB consiga dar a sua contribuição como renovação política neste momento”, concluiu.
Independência –Já Paolo Gerbaudo destacou que um dos pontos mais importantes das manifestações foi o povo ir às ruas assumidamente contra os governantes que estão aí, sem distinção de classes, recusando a identificação com a esquerda ou direita e dispensando, mais do que isso, rejeitando, a intermediação de organizações como partidos e sindicatos. “Essa independência e espontaneidade são vistas como sacrossantas pelos manifestantes que ocuparam as ruas e praças públicas tanto do Brasil, quanto do Egito, Turquia, Espanha e EUA”, destacou. “As pessoas deixaram claro que não querem mais ser cooptadas nem manipuladas, que estão descrentes e descontentes com as organizações atuais, ou seja, ficou evidente que há uma crise de representação”. Mais que isso, aponta o sociólogo: os não representados por essas organizações são em número muito maior do que as categorias por elas representadas.
Para ele, esses movimentos de ocupação do espaço público têm como grande objetivo e qualidade reinventar a democracia. “E não só isso, as pessoas querem mudar começando do nível nacional, ou seja, estão a declarar que não aceitam a globalização, que acabou esse ciclo e que agora é hora de lutar pelo poder no espaço de cada país”, diferenciou. “Isso é fantástico, porque um regresso à ideia original de democracia, em que o povo volta a ser a fonte do poder”.
Paolo Gerbaudo está convicto de que este é um momento de refundação da ordem democrática, e em várias regiões do mundo. “Mas é um período muito delicado, um momento de suspensão na história, em que tanto se pode tomar a via dos conflitos quanto a dos avanços. Daí ser fundamental enfrentar esse debate e esse desafio agora, junto com a população”, argumentou.
Ciclo de debates –Este foi o quarto debate que a Fundação João Mangabeira e o PSB promoveram sobre as manifestações de junho. O primeiro foi A Voz das Ruas, realizado ainda em 21 de junho, durante as manifestações, na sede da FJM em Brasília, e que teve como convidados a cientista política e socióloga Maria Hermínia Tavares de Almeida, atual diretora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP); o professor de Ciências Políticas da USP, Leandro Piquet Carneiro, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da mesma universidade; e o sociólogo Jessé de Souza, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais.
O segundo foi durante o Seminário O Papel dos Segmentos Organizados do PSB, que a Fundação e o partido realizaram de 18 a 20 de julho no Hotel Nacional, também em Brasília, e no qual palestraram sobre as manifestações de junho e suas consequências o vice presidente Nacional do PSB, Roberto Amaral, e o cientista político César Benjamin.
Na última sexta-feira (9), no Rio de Janeiro, a FJM voltou ao tema com a primeira edição do seminário Manifestações de Junho, Razões e Perspectivas. Com a parceria das fundações do PT (Perseu Abramo), do PCdoB (Maurício Grabois) e do PDT (Leonel Brizola-Alberto Pasqualini), a FJM convidou para debatedores o sociólogo Paolo Gerbaudo, o sociólogo e cientista político Emir Sader, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), e o sociólogo e diretor do Instituto Análise, Alberto Carlos Almeida, além da presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Virgínia Barros, do presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas de Moraes, do vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Nivaldo Santana, e do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), João Paulo. Também participaram os presidentes nacionais do PDT, Carlos Lupi, do PCdoB, Renato Rabelo, e do PT, Rui Falcão.