Parlamentares, lideranças indígenas, representantes de órgãos de Estado e de organizações da sociedade civil manifestaram sua preocupação com relação à falta de transparência no processo de constituição do 12º Leilão da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis– ANP – e a delimitação dos blocos ofertados próximos a Terras Indígenas e Unidades de Conservação ou sobrepostos a áreas em vias de regularização fundiária.
A manifestação ocorreu durante audiência pública na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, nesta quinta, 28, primeiro dia do Leilão. Foi proposta pela deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), coordenadora da subcomissão de Política Indigenista da CLP. Uma moção de alerta aos riscos da exploração prevista a partir do 12º Leilão será divulgada pelo colegiado. Janete informou que o conteúdo da audiência pública será levado à 6ª Câmara do Ministério Público Federal, que cuida das Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais.
Segundo Conrado Octavio, do Centro de Trabalho Indígena, “não existe da parte da ANP norma para consulta prévia aos povos indígenas, na fase prévia, quando os conflitos poderiam ser evitados”, apesar da Convenção 169, da OIT e do decreto legislativo 143/2002, que a regulamentou.
Os representantes da FUNAI informaram que as recomendações do órgão quanto aos blocos próximos de terras já demarcadas e nas áreas em processo de demarcação não foram consideradas pela ANP, e concordaram que a instituição está sofrendo processo de enfraquecimento. Há 24 anos sem realizar concurso público, de 3,7 mil contratações previstas, apenas 700 foram concretizadas.
Além da pressão sobre os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, a exploração de gás de xisto também foi questionada pelos expositores por usar um método considerado altamente danoso ao meio ambiente: a fragmentação hidráulica, conhecida pelo termo em inglês “fracking”. Janete Capiberibe disse que a técnica está proibida em vários países europeus e que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC – divulgou nota pedindo moratória para a tecnologia no Brasil e maior discussão com a comunidade científica.
Convidados – Participaram da audiência a coordenadora-geral de licenciamento da FUNAI, Maria Janete Albuquerque de Carvalho; o coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato, Carlos Travassos; Jader Comapa Franco, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB; Conrado Octávio, do Centro de Trabalho Indigenista; Raimundo Mean Mayoruna, da Terra Indígena do Vale do Javari (Amazonas) e Ilson Soares, da Comissão Guarany Yvyrupá – CGY, de Guaíra, Paraná. A deputada Janete lamentou a ausência da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, do Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás e do Ministério do Meio Ambiente, também convidados.
“Nunca fomos ouvidos pela ANP”
Lideranças indígenas reclamaram que nunca foram ouvidos pela ANP sobre a implantação de blocos de exploração mineral nas terras que ocupam. A oitiva com prerrogativa de veto está prevista na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada pelo Congresso Nacional em 2002 e em vigor desde 2003.
O representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, Jader Camapa Franco, do Vale do Javari, Amazonas, diz que os povos que ocupam aquela terra são contrários à exploração de gás de xisto e petróleo. Ele diz que os índios declararão a guerra se não forem respeitados. E que, além disso, não foram consultados e querem que sua opinião seja respeitada. “A exploração de gás xisto é muito poluidora e vai haver uma 'invasão de gente”.
O representante também destacou que os índios não são contrários ao desenvolvimento, mas querem cautela. Segundo ele, no Vale do Javari vivem 23 povos isolados. São 16, segundo a FUNAI.
Franco afirmou que o problema que está surgindo “não é nosso [dos povos indígenas]. O governo está criando esse problema e depois vai fazer vista grossa”, referindo-se à ocupação das terras por não índios, degradação ambiental e até tráfico de madeira e drogas.
Raimundo Mean Mayuruna, presidente da Organização Geral dos Mayuruna, foi enfático: "Não queremos porcentagem de petróleo. Queremos viver com nossas famílias. Não compramos água, nem nada. Pegamos tudo na natureza. Agora, muitos rios já estão ficando poluídos. A gente não quer isso. Sem pensar nos povos indígenas e na natureza, não é desenvolvimento. Desenvolvimento são as pessoas com saúde, felizes".
O representante do Povo Guarani Mbya, da Comissão Guarany Yvyrupá, Ilson Soares, disse que seu povo também não foi ouvido. Segundo ele, no estado do Paraná, os blocos leiloados estão sobrepostos a 13 terras em processo de demarcação. Soares recordou a época da construção da Hidrelétrica de Itaipú que expulsou e dispersou as comunidades indígenas que habitavam as terras às margens do rio Paraná.
O comportamento da maioria dos parlamentares e o conteúdo das proposições aprovadas pelo Congresso levou Rosane Kaingang, da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul) a desabafar: "Esta Casa não é mais a casa do povo. É a casa dos fazendeiros. Parece que estamos vivendo uma ditadura velada". E completou dizendo que está cansada de dialogar sem que os problemas dos povos indígenas sejam resolvidos.
O presidente da CLP, deputado Lincoln Portela, comprometeu-se a chamar os povos do Vale do Javari para todas as audiências sobre o tema e, junto com a deputada Janete Capiberibe, manter o espaço para que todos os povos sejam ouvidos pelo parlamento.
Leilão durou apenas 3 horas
A 12ª Rodada de Licitações da ANP, neste dia 28, ofertou 240 blocos terrestres de gás no Amazonas, Acre, Tocantins, Alagoas, Sergipe, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Maranhão, Paraná e São Paulo, dos quais 72 foram vendidos, 49 para a Petrobrás. Em 3 horas, o Leilão arrecadou R$ 165,9 milhões. Os blocos não leiloados poderão voltar em outras rodadas.
Em pelo menos quatro destas bacias – Acre-Madre de Dios (Acre e Amazonas), Paraná (Paraná e São Paulo), Parecis (Mato Grosso) e Paranaíba (Maranhão, Piauí e Tocantins) – os blocos, colidem com os limites de Terras Indígenas (TIs) ou estão a menos de 10 quilômetros delas e se sobrepõem a áreas com processos de regularização fundiária em curso, em fase de identificação ou correção de limites, para consolidar os limites das Terras Indígenas.