Autor: Domingos Leonelli, secretário Nacional de Formação Politica do PSB
Este ano de 2024 foi um ano difícil de muitas angustias políticas e pessoais.
Mas antes que ele se acabasse vivi uma das mais emocionantes experiências de minha já longa vida. Designado pelo presidente do meu partido, Carlos Siqueira, pude representar o PSB no IV Fórum de Partidos Políticos China-Celac que se realizou em Pequim no dia 2 de dezembro. E junto com dezenas de representantes de partidos latino-americanos e caribenhos conhecemos três capitais de províncias e algumas cidades desse imenso país.
Pudemos ver, ouvir e sentir o sucesso da maior e mais bem sucedida experiência socialista da história. 75 anos depois da vitória da Revolução Socialista esse país de 1,5 bilhão de pessoas eliminou a fome e a miséria, reduziu enormemente a pobreza e a ignorância e proporcionou ao seu povo a prosperidade e o direito de sonhar com um futuro cada vez mais promissor. A China tornou-se a segunda potência econômica do mundo, a maior exportadora de manufaturados e a segunda maior exportadora de produtos tecnológicos. Hoje é o pais que mais investe na Inteligência Artificial. E em matéria de Educação está em primeiro lugar no PISA, já alfabetizou 94 % de sua população, investe 4.3 % do seu PIB na área e forma 2 milhões de engenheiros por ano. A educação é considerada a mais importante tarefa revolucionária que prepara a China para uma nova era, a era do conhecimento e da criatividade.
Provando que o verdadeiro desenvolvimento é o que junta o crescimento econômico ao progresso social, o socialismo chinês, em 40 anos, tirou da extrema pobreza mais de 800 milhões de pessoas. Em 30 anos enfrentou e resolveu razoavelmente bem o maior processo de urbanização da história da humanidade: 500 milhões de chineses saíram do campo para as cidades. E fez isso da forma criativa, sem copiar modelos e encontrando soluções concretas para cada problema.
E que cidades! Um passeio de barco pelo rio Perola que corta o centro da cidade de Guangzhoug nos deu a sensação extasiante de estar em algum tempo no futuro, com centenas de prédios com iluminação a laser multicolorida. Foi como se o sonho da juventude de minha geração- o socialismo- tivesse se materializado em luzes e cores.
Mas a beleza das cidades chinesas não é só exterior. No intervalos das atividades programadas pelos nossos anfitriões, podíamos andar livremente pelas ruas. E eu me arrisquei, mais de uma vez, a sair sozinho, com os endereços dos hotéis no bolso, pelas ruas centrais e secundárias das cidades. Em Guangzhoug, por exemplo, nas ruas secundárias, sem o glamour das grandes lojas, vi pessoas fazendo refeições em marmitas nos locais de trabalho, vi pessoas trabalhando duro carregando caixotes mas não vi nenhum mendigo, nenhum pedinte e nenhuma pessoa dormindo na rua. Ruas absolutamente limpas que me induziram a encontrar lixeiras para jogar fora minhas bitucas.
Em mais de uma praça jovens, velhos e crianças, dançavam em torno de caixas de som.
Sinceramente, não senti em nenhum lugar a presença opressiva do Estado e nem a presença ostensiva do Partido Comunista Chinês. E nem mesmo a polícia, presente apenas nos aeroportos e numa esquina próxima ao hotel de Guangzhoug.
Os centros das cidades de Pequim, Kuoming, Dali e Guangzhou, devem superar São Paulo em número de restaurantes, casas de chá e bares. Sempre cheios e alegres, embora sem música ao vivo.
Os automóveis, a motocicletas e os ônibus elétricos deixam a ruas centrais mais silenciosas e menos poluídas. Os modelos de luxo e esportivos de muitos carros revelam também a existência de muitos novos ricos na China e muitos dos seus jovens proprietários tem cabelos oxigenados e aparência forçadamente ocidental.
Em áreas turísticas e históricas, bem como nos bairros populares, que também visitamos, vimos muito vendedores ambulantes sorridentes e delicados que ofereciam lembranças, roupas e adereços em suas barraquinhas, a demonstrar que ao lado dos grandes empreendimentos privados e públicos, a China desenvolveu algo como um capitalismo popular também com pequenas lojas e pequenos bares.
Interpretando criativamente o marxismo e a teoria da revolução, o Partido Comunista Chinês teve a coragem de se reinventar mais de uma vez nesse período histórico. Absorvendo a sabedoria de cinco mil anos de história, desenvolveu um pensamento próprio para sua revolução. Foi da teoria das contradições de Mao Tsé Tung ao pensamento atual de Xi Jinping, passando pela concepção de desenvolvimento acelerado de Deng Xiaoping, sempre mantendo o fio da meada da revolução como elemento de continuidade.
Os princípios e valores revolucionários são cuidadosamente preservados tanto na economia- o papel do Estado como condutor do processo- quanto no terreno ideológico onde o compromisso fundamental com o povo chinês, a solidariedade e a ética revolucionárias são cultivadas todo o tempo.
O combate sem tréguas à corrupção é um dos princípios revolucionários presente em todos os Planos Quinquenais.
Para se livrar do estatismo copiado da União Soviética nos primeiros anos da revolução e dos efeitos danosos da Revolução Cultural- assunto que visivelmente os comunistas chineses não gostam de tocar- desenvolveu-se ao interior do PCCh e do próprio Estado uma intensa luta interna. A Revolução Cultural caracterizou-se pelas prisões políticas, perseguições, violência física praticadas pelos Guardas Vermelhos, exílios e campos de reeducação (onde foi parar inclusive o atual líder Xi Jinping). Uma página de terror e uma década – 1966 /1976- perdida para a economia, a cultura e o desenvolvimento.
Mas em 1978 prevaleceu a concepção da verdadeira revolução como transformação estrutural da sociedade em direção a prosperidade e ao bem estar do povo. Tomou o nome de “Reforma e Abertura” e foi conduzida principalmente por Deng Xiaoping que partiu do princípio que não há contradição fundamental entre o socialismo e o mercado.
Segundo Xiaoping “nem a pobreza, nem o desenvolvimento lento são socialismo e a tarefa fundamental do socialismo é desenvolver as forças produtivas “. E se para desenvolve-las era necessário o impulso empresarial privado, o socialismo chinês não hesitou em reintroduzir na China socialista formas capitalistas de produção sob a direção do Estado e do PCCh.
“Audácia, audácia e mais audácia”, a frase de Robespierre na Revolução Francesa nunca foi tão bem praticada como nessa fase da Revolução Chinesa. A “reforma e a abertura” correspondiam a máxima leninista segundo a qual “a essência mesma, a alma viva do marxismo é a analise concreta da situação concreta”.
E a realidade concreta da China no final da década de 70 era a de um imenso pais com uma imenso a população e um imenso mercado em potencial. Um pais com uma indústria de base desenvolvida nas primeiras décadas da revolução de 1949 , mas imobilizado pela inflação, pela ausência de investimentos, pela pobreza e até pela fome. Eram necessários capitais e investimentos, capacidade empresarial, livre concorrência e geração de riqueza. Era necessário reintroduzir o capitalismo no socialismo chinês, sob o planejamento e controle do estado socialista e do Partido Comunista Chinês.
Nascia assim o “socialismo de mercado com características chinesas”. Uma Nova Formação Econômica na expressão cunhada pelo estudioso brasileiro Elias Jabbour.
Esse socialismo é, sem dúvida, fruto da audaciosa e ancestral criatividade do povo chinês, que no início da reforma e abertura desenvolveu na China uma poderosa indústria voltada para o consumo. Mas se revolucionou novamente e em 2006 e o 11 Plano Quinquenal priorizou de forma radical a inovação tecnológica passando do “Made in China” para o “Design in China.”
Fica, portanto uma indagação: podemos afirmar que no plano econômico temos na China um verdadeiro Socialismo Criativo?